LIVE Review_Concerto OVAR EM JAZZ (APR2023)
Vinte anos de uma carreira recheada de sucessos, dez álbuns editados e muito caminho andado.
Foi com este “currículo” que Carmen Souza se apresentou no Centro de Arte de Ovar na segunda noite do Ovar em Jazz 2023. Entre o jazz e o funk, os blues e o funaná, a cantora trouxe-nos a diversidade de uma música rica de sons e cores, à boleia de “Interconnectedness”, o seu mais recente trabalho. “Gratidão, amor, introspecção”, são temas que atravessam este novo álbum, nele se percebendo uma reflexão sobre a humanidade, as suas incertezas, as fragilidades postas a nu à conta de uma pandemia, as conexões que estabelecemos uns com os outros, mesmo sem nos conhecermos. Mas nem só de “interconectividade” viveu o concerto, com Carmen Souza a estender a atenção aos seus trabalhos anteriores, sobretudo a “The Silver Messengers”, um tributo ao enorme pianista que foi Horace Silver. O resultado foi uma hora e meia de puro prazer, no embalo de ritmos quentes pontuados pelo virtuosismo dos músicos em palco e pelo brilho da voz e do sorriso da cantora.
“Nutville”, do álbum “The Silver Messengers”, foi o tema de abertura do concerto. Com ele veio essa nota de espanto que poderá traduzir-se numa pergunta: “Como é que um décimo álbum é para mim o primeiro?”. Ou, dito de outra forma, como é que uma cantora deste calibre é uma perfeita desconhecida para tantos de nós? Alguém anda muito distraído (e suspeito que não sou eu). Registado o parêntesis, foi bom ver que, nascida em Lisboa, Carmen Souza preserva e cultiva uma ligação umbilical com a cultura cabo-verdiana, não abdicando do crioulo para dar voz a um grande número de temas. “Nutville” é disso um extraordinário exemplo, resultando fascinante a forma como a língua flui de braço dado com a música, numa voz de uma plasticidade e beleza fora do comum. “Kuadru Pintadu”, primeira faixa do novo álbum, traz com ele a nota de confirmação desta relação íntima entre a música e a palavra. “Cada papiamentu tem se identidadi, ta screbi se cultura, tem conquista, tem amor, tem tradição.”
“The Jody Grind”, tema com música e letra de Horace Silver, definiu as linhas gerais de um concerto que, nas franjas do jazz e dos blues, piscou o olho à world music de forma constante. O pai de Horace Silver era cabo-verdiano, natural da ilha de Maio, legando ao filho os genes de uma cultura em tudo diferente da norte-americana. Daí que este “diamante” assente no funaná e seja um tributo do músico às suas raízes. Num caminho com tanto por explorar, Carmen Souza partiu ao encontro de uma identidade que tem tudo a ver com a diáspora lusófona. Ao público vareiro ofereceu o resultado dessa seu curiosidade em temas como “Sopro de Amor”, “Lady Musika” ou um brilhante “Dia Txiga”. Pelo meio ainda nos trouxe um cheirinho de Miriam Makeba em “Pata Pata” e de Nina Simone em “My Babe Just Cares For Me”, tema que fechou o concerto. Na companhia de Diogo Santos (piano), Theo Pascal (baixo eléctrico) e Elias Kacomanolis (bateria), Carmen Souza cantou e encantou. Pediu ao público que o fizesse também, que gritasse, que se levantasse e dançasse. O público fez-lhe a vontade. No final, com o seu mais belo sorriso, agradeceu e partiu. Mas deixou-nos a emoção de uma noite inesquecível.